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CRAS do Axé: entre a Laicidade e o Racismo

  • Andréia da Silva Lima
  • 8 de mai.
  • 6 min de leitura
Equipe do CRAS e CREAS de Guaratiba. A assistente social e coordenadora do CRAS Andreia Lima ao centro junto a Iyá Katiuscia de Yemanjá. Foto: Bárbara Dias
Equipe do CRAS e CREAS de Guaratiba. A assistente social e coordenadora do CRAS Andreia Lima ao centro junto a Iyá Katiuscia de Yemanjá. Foto: Bárbara Dias

Ao pensar sobre o que escrever sobre Racismo Religioso para o blog do projeto Tarde Feliz, confesso que pensei muito sobre como iria abordar o assunto. A questão da laicidade foi a primeira a aparecer em minha cabeça, e sabem o motivo? Sempre que é apresentado um trabalho especifico para Povos de Terreiro um questionamento aparece: “mas, o Estado é laico não podemos atender uma religião especifica”. E, esse questionamento chegou a mim quando ocupava um cargo de direção de um CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e realizei uma ação especifica com os Povos de Terreiro. Assim, quero aqui, em poucas palavras relatar essa experiência e os avanços que aconteceram desde então. 


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Assim, em 2022 em um CRAS localizado na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro houve um estranhamento sobre as instituições religiosas de matriz africana estarem fora de rede. É sabido que a zona oeste possui muitas casas de matriz africana. Segundo Conduru (2010), as Casas de Axé no Rio de Janeiro pós abolição da escravatura se concentravam na área central da cidade, mas por conta do interesse econômico nas áreas centrais no início do século XX essas comunidades foram se deslocando para o subúrbio carioca e para baixada fluminense. E, a partir dos anos 2000 pode-se afirmar uma migração para a zona oeste.

A presença das comunidades religiosas afro-brasileiras na Pequena África (zona portuária e Cidade Nova), em morros, nos subúrbios, na Baixada Fluminense e na zona Oeste indica a ocupação da periferia devido a processos de exclusão dessa população, bem como de seus valores e práticas, das regiões centrais e mais valorizadas da cidade. (pg. 190)

Esse estranhamento foi compartilhado com parte da equipe técnica e, assim, a direção e o psicólogo do CRAS iniciaram essa aproximação com as lideranças que ele conhecia no território e seus trabalhos, até então desconhecidos da rede e do próprio CRAS. E, nosso objetivo estava centrado em cumprir o papel de vigilância sócio assistencial deste equipamento da proteção básica da assistência social. O trabalho nos aproximou dos terreiros, conhecemos lideranças e construimos laços de trabalho territorial. Um trabalho que foi continuado, mas não sem um debate sobre laicidade. 

O Brasil é um país laico desde a instauração da república, quando um pais se define como laico, entende-se que não há religião oficial e não há impedimento para as diversas manifestações religiosas. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo quinto inciso VI, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. (Brasil, 1988) 

Porém, se tivermos a assistência social como base, é sabido sobre histórico de simbiose com as religiões cristãs em ações de atendimento a populações mais pobres no Brasil. Iniciada no processo de colonização com ações de âmbito caritativo e religioso junto a pobreza foi sempre potencializado pelo Estado, mas não qualquer religião a Igreja Católica no Brasil tem uma relação forte com o Estado e sempre foi a responsável por atender as faixas mais empobrecidas. Uma ação que tinha a evangelização como um dos objetivos dos colonizadores e que perpassa os séculos com avanços e aprofundamentos.

A partir dos anos de 1990, o crescimento das Igrejas Neopentecostais muda o perfil religioso da população brasileira, e essas instituições também adentram o Estado em ações de cunho assistencial, como também nas disputas eleitorais, tendo vitórias importantes a partir do Golpe de 2016. Crescendo, assim, a atuação das religiões cristãs nas ações assistenciais com apoio do Estado, mas não mais com um poder centrado apenas na Igreja Católica¹.

Assim, o debate de laicidade ao realizar um trabalho especifico com Povos de Terreiro, se apresenta muito mais como uma forma de Racismo Institucional no qual profissionais utilizam um conceito importante para restringir uma ação que é antes de tudo uma repação histórica. 


Matriarcas do grupo CRAS do Axé, da esquerda para a direita Iyá Márcia de Oxum, Iyá Jacqueline de Òbá, Iyá Luizinha de Nanã e Iyá Katiuscia de Yemanjá. Foto: Bárbara Dias
Matriarcas do grupo CRAS do Axé, da esquerda para a direita Iyá Márcia de Oxum, Iyá Jacqueline de Òbá, Iyá Luizinha de Nanã e Iyá Katiuscia de Yemanjá. Foto: Bárbara Dias

O CRAS do AXÉ foi uma experiência que trouxe a necessidade de levantar o debate sobre religião, assistência social, racismo institucional e racismo religioso para que pudessemos olhar que a invisibilidade dos terreiros no trabalho de rede e de vigilância socioassistencial de um  CRAS localizado na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, não tem a ver com uma ação instrumental, ou seja, quem faz ou não faz determinado trabalho, mas sim com a formação sócio histórica racista do Brasil. Assim, conseguimos justificar nossas ações com base na Política Nacional de Assistência Social e outros instrumentos legais. 

Os CRAS têm como função atender as famílias e indivíduos em vulnerabilidade de forma territorial, estabelecendo vigilância socioassistencial e garantindo acesso a essa população das diversas políticas públicas. Assim, são equipamentos da proteção social básica que segundo a Política Nacional de Assistência Social, entre outras ações:

(...) mapeamento e a organização da rede socioassistencial de proteção básica e promove a inserção das famílias nos serviços de assistência social local. Promove também o encaminhamento da população local para as demais políticas públicas e sociais, possibilitando o desenvolvimento de ações intersetoriais que visem a sustentabilidade, de forma a romper com o ciclo de reprodução intergeracional do processo de exclusão social, e evitar que estas famílias e indivíduos tenham seus direitos violados, recaindo em situações de vulnerabilidades e riscos. (Brasília, 2005, pg. 35-26)

Segundo o Documento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome de 2019 sobre o Atendimento a Povos e Comunidades Tradicionais, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiro são públicos prioritários para o atendimento dos CRAS. E são definidos como:

Povos de terreiro são o conjunto de populações, em sua maioria de origem afro-brasileira, que está ligado às comunidades religiosas de matrizes africanas e de terreiro por vínculos de parentescos ou iniciáticos. (pg 13)

Exposição Pedrinhas Miudinhas da fotógrafa Clara Nascimento, sendo vista pela Iyá Jacqueline de Òbá. Foto: Bárbara Dias
Exposição Pedrinhas Miudinhas da fotógrafa Clara Nascimento, sendo vista pela Iyá Jacqueline de Òbá. Foto: Bárbara Dias

Os terreiros são locais sagrados que mantém uma relação com a comunidade do entorno e possuem capilaridade para a promoção de atividades de saúde, educação, cultura e segurança alimentar (MDS, 2019, pg 13). E, atuar com esse público deve ter um conceito ampliado de família que considere seus rituais iniciáticos. O papel proativo da Proteção Básica tem um papel fundamental em um dos enfrentamentos comuns aos Povos Tradicionais que são as políticas sociais inadequadas que desconsideram suas culturas, costumes e tradições.

Aproximar as diversas instituições da rede socioassistencial dos Povos de Terreiro contribui para a desmistificação de seus cultos e saberes, garantindo acesso aos direitos sociais respeitando suas crenças e valores próprios. Não podemos desconsiderar que a Intolerância e o Racismo Religioso fazem parte da realidade e o atendimento aos Povos de Terreiro e é função do CRAS trazer à tona o Racismo Institucional que acontece no atendimento a essa população e

coloca as pessoas, ou grupos raciais e étnicos, em situação de desvantagem no acesso à informação, aos benefícios e às políticas geradas pelo estado brasileiro e impedem o pleno exercício da cidadania e da dignidade (MDS, 2019, pg 20)

As lideranças religiosas de terreiros, as assistentes sociais do CRAS e do CREAS e também representantes da Secretaria da Mulher e de Diversidade, conversando com a comunidade. Foto: Bárbara Dias
As lideranças religiosas de terreiros, as assistentes sociais do CRAS e do CREAS e também representantes da Secretaria da Mulher e de Diversidade, conversando com a comunidade. Foto: Bárbara Dias

Após essa experiência e os debates realizados, ficou perceptível que a questão não estava no conceito de laicidade, mas sim no Racismo, Institucional e Religioso. E, algumas ações foram realizadas e quero aqui destacar do esforço da equipe gestora da Gerência de Família na Proteção Básica de mapear os atendimentos realizados pelos CRAS com famílias de terreiro. Desse esforço nasceu um documento de orientações técnicas sobre a questão. Documento esse ainda não publicizado por conta da mudança de gestão da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS/RJ). O debate está perpassado junto as equipes, mas se um documento ratificando essa ação será apresentado como parte da Educação Permanente da SMAS/RJ, não sabemos. E, assim, se perpetua o Racismo Institucional e Religioso ao qual, profissionais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) deverão buscar superar cotidianamente. 



Notas

¹ Não iremos adentrar esse debate sobre o crescimento das Igrejas Evangélicas e sua relação com o Estado. Para saber mais, sugerimos: Machado. M.D.C. Religião Cultura e Política. In: Revista Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 32 (2): 29-56, 2012.


Referências:

BRASIL. Constituição Federal do Brasil. 1988.

BRASIL. Política Nacional de Assistência Social, PNAS/2004. Brasília. 2005 BRASÍLIA. I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades de Matriz Africana, 2013.

CONDURU, R. Das Casas às Roças: comunidades de candomblé no Rio de Janeiro desde fim do sáculo XIX. In: Revista Topoi, v. 11, n. 21, jul-dez 2010, pg 178-203.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME. (2019). Atendimento a povos e comunidades tradicionais na proteção social básica. Brasília: MDS.


 
 
 

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