Maio Laranja e a Campanha “Criança Não é Mãe”: proteger a infância é uma urgência
- Letícia Calado e Raiane Oliveira
- 30 de mai.
- 5 min de leitura
Atualizado: 19 de jun.
O mês de maio é marcado por uma importante mobilização nacional: o Maio Laranja, campanha dedicada ao combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes. Essa iniciativa tem como objetivo principal conscientizar a sociedade sobre a importância de prevenir, identificar e denunciar situações de violência sexual que atingem meninos e meninas em todo o país.
A História Que Deu Origem à Luta

A campanha nasceu em memória de Araceli Crespo, uma menina de apenas oito anos que foi sequestrada, violentada e assassinada em 18 de maio de 1973, em Vitória (ES). Seu caso, como tantos outros, foi marcado pela impunidade e pelo silêncio. Por isso, o dia 18 de maio tornou-se o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, um marco na luta por proteção e justiça.
Falar sobre esse tema é desconfortável, mas o silêncio é ainda mais perigoso. Muitos casos de violência sexual acontecem dentro de casa, no ambiente familiar, escolar ou comunitário — justamente onde a criança deveria estar mais protegida. Por isso, campanhas como o Maio Laranja buscam romper com o silêncio, incentivar a escuta e fortalecer as redes de proteção.
Quando a maternidade chega antes da chance de escolher ser mãe

Entre as muitas faces da violência sexual contra crianças, uma das mais graves e invisibilizadas é a gravidez infantil. E é nesse ponto que o Maio Laranja se encontra com a campanha “Criança não é mãe”, criada para denunciar e dar visibilidade a meninas que engravidam precocemente em decorrência de violência sexual.
No Brasil, todos os anos, milhares de meninas com menos de 14 anos engravidam. A legislação brasileira é clara: toda relação sexual com menores de 14 anos é considerada estupro de vulnerável, independentemente de consentimento. Portanto, toda gravidez nessa faixa etária é resultado de violência sexual. No entanto, vale lembrar que a própria definição da idade de consentimento também é alvo de questionamentos. Muitos especialistas apontam que, mesmo após essa idade, os mais jovens ainda enfrentam relações marcadas por desigualdade, coerção e falta de maturidade emocional. Por isso, é preciso refletir sobre o quanto o consentimento dado por adolescentes pode, de fato, ser considerado livre e informado, já que há profundas desigualdades de poder, dependência emocional e vulnerabilidade envolvidas nessas situações.
Apesar disso, muitas vezes esses casos são tratados com normalidade. A gravidez infantil é romantizada, naturalizada ou até mesmo celebrada em algumas comunidades, como se fosse um “namoro precoce” ou um “sinal de amadurecimento”. Essa abordagem ignora a violência sofrida, invisibiliza a criança e sobrecarrega meninas com responsabilidades que não deveriam ser suas.
Enfrentando a Gravidez Infantil como Violência Sexual
Uma criança que se torna mãe tem sua infância interrompida. Ela abandona a escola, enfrenta riscos à sua saúde física e mental, e muitas vezes vive a maternidade em completo isolamento e abandono. Em vez de ser acolhida e protegida, é julgada e responsabilizada por uma violência que sofreu.

A campanha “Criança não é mãe” busca justamente romper com esse ciclo de silêncio e abandono. Ela propõe que a sociedade veja essas meninas não como “pequenas mães”, mas como vítimas que precisam de proteção, cuidado e acesso a políticas públicas efetivas. O acesso à saúde, à educação, ao acolhimento psicossocial e, quando necessário, à garantia do direito ao aborto legal, são parte fundamental da resposta do Estado diante dessas situações.
Tanto o Maio Laranja quanto a campanha “Criança não é mãe” reafirmam que proteger a infância é responsabilidade de todos — do poder público, das famílias, das escolas, dos serviços de saúde e assistência social, e de toda a sociedade. É preciso garantir que cada criança e adolescente tenha seus direitos assegurados, viva com dignidade e seja respeitada em sua integridade física, emocional e sexual.
Falar, informar e agir são passos fundamentais. E mais do que isso: é necessário ouvir as crianças, criar espaços seguros para que elas se expressem, e fortalecer os vínculos comunitários, familiares e institucionais que possam prevenir e enfrentar situações de violência.
A infância não pode esperar. Criança não é mãe. Criança é criança. E precisa ser cuidada, protegida e amada.
Aborto legal é um direito: por que ainda precisamos lembrar disso?

Apesar de ser um direito previsto em lei há décadas, o direito ao aborto legal no Brasil ainda é cercado por empecilhos, desinformação e barreiras institucionais. O que deveria ser a garantia mínima de proteção à saúde e à dignidade acaba se tornando, na prática, um processo marcado por mais violações, atrasos e julgamentos morais.
Essa realidade é ainda pior, quando tratamos da maneira que meninas vítimas de violência sexual – muitas delas com menos de 14 anos – são tratadas nesse contexto. Em vez de receberem acolhimento, deparam-se com portas fechadas, discursos punitivos e resistência de profissionais que deveriam prestar o serviço previsto em lei.
Um ponto crucial para compreendermos esse ciclo de violência é a análise do alto número de meninas que foram obrigadas a seguir com a gestação resultante de estupro. Segundo um estudo realizado pelo Ministério da Saúde, entre 2012 e 2022, uma menina a cada 20 minutos se torna mãe no país. Esses dados revelam como o direito ao aborto legal ainda não é efetivamente garantido na prática, mesmo nos casos previstos por lei: casos de estupro, risco à vida da gestante ou anencefalia fetal.
A negação desse direito causa ainda mais sofrimento para crianças e adolescentes, pois essas meninas são obrigadas a assumir uma responsabilidade de maneira precoce, sendo privadas de uma educação adequada, da convivência com outras crianças de sua idade e da própria autonomia para construir o seu futuro. Não é raro encontrarmos casos em que meninas tiveram que abandonar a escola, passaram a enfrentar preconceito social e passaram a depender de redes de apoio frágeis, reproduzindo esse ciclo de vulnerabilidade.
Onde e como denunciar: conheça os canais de proteção à infância
Polícia Militar - 190: Deve ser acionada quando a criança está correndo risco imediato
Samu - 192: Para pedidos de socorros urgentes
Delegacias especializadas: As delegacias especializadas no atendimento de mulheres e crianças estão preparadas para lidar com esses casos mais sensíveis e devem ser acionadas nesses casos.
Disque 100: Este canal recebe denúncias de violações contra os direitos humanos, como mulheres e crianças.
Disque Denúncia RJ: Ligue para o número (21) 2253-1177 ou entre em contato pelo WhatsApp de maneira anônima: (21) 2253-1177
Conselho Tutelar: Outro escolha para quem deseja realizar uma denúncia de violação dos direitos de crianças e adolescentes.
O conhecimento sobre esses canais é extremamente importante para a proteção de crianças e adolescentes que tenham seus direitos violados. Essas ferramentas não apenas possibilitam que a vítima receba o apoio e segurança necessária, mas também garante que as ocorrências sejam formalmente registradas e devidamente investigadas pelas autoridades responsáveis. Quando uma comunidade entende e utiliza esses canais, contribui ativamente para a responsabilização do agressor e a proteção adequada das crianças em situações de violência.
Bibliografia:
BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.
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BRASIL, Ministério da Saúde. DATASUS (Departamento de Informática do SUS), 2008. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php. Acesso em: 12 de maio, 2025.
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SPOSATI, Aldaíza. A adolescência e o mito do consentimento sexual. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 135, p. 422–441, jul./set. 2019. DOI
O GLOBO. Brasil registra mais de 20 mil partos de meninas de 10 a 14 anos por ano. O Globo, Rio de Janeiro, 15 maio 2023.
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